Por Francisco Galindo
"Regata crospped com pesponto faz sucesso em
Arcoverde" é o que me aparece sem convite, mal inicio uma vadiagem pela
internet. Estava no ambiente do El País, algo relativamente longe da cidade e
mais vizinho da França, salto virtual que tentei para suar mais perto do fogo
que consumia Notre-Dame. O algoritmo, miríade de dados comparados, me achou.
Você que mora em Arcoverde, que tal uma regata crospped, quando voltar pra
real?
Não estamos mais
sozinhos. Tem sempre algo ou alguém que acende a sensação de que somos vistos
de esguelha. Que não somos donos de fechaduras à prova de chave falsa. É
preciso inimistar-se com o banco e sustar a compra de um javali em Manaus,
porque nunca fui tão afastado ou já vali tão pouco para querer bicho tão porco.
Nossas senhas devassadas mostram a esterilidade e a inocência de combinar
algarismos privados. Tem você aí uma TV smart no quarto? Cuidado com ela. Há quem garanta que elas
olham de dentro pra fora, quem sabe retêm na memória e sabe-se lá se não
mostram no primeiro balcão de oficina técnica. Contra a bisbilhotice, e dado o
que se dá nas alcovas, aconselham-se cortinado na smart e santos contra a
parede.
A privacidade foi uma das maiores conquistas do esforço
civilizatório. Demorou, mas aquele tempo todo em que a gente andava de tacape e
se abrigava numa furna só, incomodou até que a gente melhorou o grunhido e
desejou um canto pra bater um tambor particular. Depois de uma bordoada de
giros do planeta na cintura do sol, eis que chegamos ao Facebook e Google e
seus mimetizados, em cujas mãos sacudimos os anéis de nossos dados, entregues
para a agitação de compra e venda. " Você que comprou o livro "Outros
Jeitos de Usar a Boca", de Kaur Rupi, nesta semana- eles sabem dia e hora
e site de preferência- que tal ter dentes brancos e bonitos na OdontoPrevi, com
opções sem carência e 6 X sem juros?" Ridículo da confrontação algorítmica:
o livro, poemas de sobrevivência, amor e abuso, é bronca. O plano é broca.
A luta livre contra a privacidade já tevw aeu furor na
pressão feita por certa ortodoxia evangélica americana que intentou a legalidade
de uma política de invasão de casas e aprisionamento de quem estivesse
habituado em bebedeira, homossexualismo ou adultério. Sanha moralista que se
arvorou em solapar o desejo, as vontades e as escolhas, que no conjunto
organizam caráter e privacidade. A intimidade e a liberdade pessoal sempre
foram alvos dos Estados totalitários, receosos da resistência velada.
Desencorajados e combatidos, estes movimentos migraram ou alternaram a
vigilância moral ou política com sua exterioridade e visibilidade para um viés
mercantil, que a socióloga Shoshanna Zuboff entende como "capitalismo de
vigilância", a prática, cada vez mais consolidada em nosso tempo, de esparramar tentáculos de sedução e
controle das vontades e iniciativas de aquisição, com sacrifício da
privacidade, nem sempre percebido.
A gente quer também ficar sozinho. Sem rastreadores de
vontades. Sem aparelhos inteligentes que mostram sem avisar que também
armazenam. Sem vigilância de anunciantes. O risco explícito é de que os dados a
serviço da rede de controle de perfis de
consumidores possam a qualquer tempo servir a outras intenções, como bem
provavelmente ocorre nos processos eleitorais e listas de rastreamento. Podemos
ficar sem regata pespontada e sem nada da cintura pra baixo?