Grupos
religiosos querem proibir que vá ao ar o programa especial de Natal do “Porta
dos Fundos”, que inclui uma sátira de Jesus Cristo e da Sagrada Família.
Sátira, frequentemente de símbolos e figuras veneráveis, é o que a turma do “Porta
dos Fundos” faz como ninguém na TV brasileira. Quem sabe que vai se sentir
ofendido pelo programa mesmo antes de vê-lo pode recorrer à forma mais direta
de censura, que é mudar de canal e deixar que quem admira o grupo e sua
irreverência se divirta, sem precisar pedir licença para ninguém. Mas quem não
quer ver a sátira não quer que ninguém a veja.
Não
precisavam se preocupar. Depois de tudo que passou em vida, Jesus não iria se
ofender com a gozação, ele que foi um grande irreverente. A ideia do Cristo
como um agitador contra os poderosos do seu tempo, e não apenas os vendilhões
expulsos do templo, tem pouco trânsito – para dizer o mínimo – entre os
religiosos de hoje. Jesus foi perseguido até a morte, até a crucificação, a
irreverência extrema, pelos que ele ameaçava com sua pregação
revolucionária. Os grupos que agora protestam contra o que ainda não viram
são exemplos da intolerância que envenena o atual debate político e cultural do
País, amostras da inegável imbecilização, se é que existe a palavra, que nos
ameaça. Não se sabe se o veneno é uma destilação natural do clima que domina o
País desde a bolsonarização (se é que existe a palavra), ou é aplicado
conscientemente para nos emburrecer.
A
coleção de frases infelizes ditas por nomeados para gerir a área cultural só
pode significar que o objetivo é esse mesmo, nos tornarem mais irracionais, e
perdermos uma guerra para a qual estamos mal-armados. Enfim, como diria o
grande irreverente, “Perdoai-os Senhor, eles não sabem o que dizem”. Ou pior,
sabem, mas dizem assim mesmo.
Luiz
Fernando Veríssimo(Estadão, 12 de dezembro de 2019)
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