I CONCURSO
LÍTERO-POÉTICO DO CAFÉ FILOSÓFICO PÃO DE AÇÚCAR – AL
2º LUGAR – CATEGORIA:
CRÔNICA Carlos Alberto de Assis Cavalcanti – Arcoverde - PE
TEMPOS SOMBRIOS
Paira no ar um
silêncio sepulcral. Não há como escrever uma crônica nos dias atuais de
confinamento e apreensão. As ideias se diluem em meio ao clima de desconfiança
que cerceia a capacidade de criar algum texto de entretenimento ou leve
digressão sobre a vida ou algum acontecimento cotidiano.
A folha, enroscada na
velha máquina, continua em branco como se adivinhasse que, cá nos meus
pensamentos, também deu um branco.
Ouço Beethoven dedilhando Sonata ao Luar no
vinil que gira cadenciadamente na vitrola. Talvez um conforto para a alma
acuada dentro desse corpo alquebrado pelo tempo intransigente que cobra cada
minuto da nossa existência com a ferocidade de uma ave de rapina.
O que fazer,
então, se o toque de recolher esvazia as ruas do seu movimento habitual, quando
as pessoas correm e gritam e esbarram noutras nesse trajeto diuturno pela
sobrevivência. Agora, até parece que os cemitérios estão mais barulhentos do
que as avenidas e praças. A humanidade virou refém do vírus. Sua ausência
física se materializa nos corpos que ele habita e rói sem pedir licença.
Subtrai a porção mais divina da existência: o ar soprado com que o resto
funciona. Sem o “fôlego da vida”, nada mais presta para coisa alguma. Pouco
adianta o corpo escultural e as joias nele exibidas ou mesmo, como ocorre a
tantos, os ossos exibidos.
O mundo foi nivelado por uma ordem de uma criatura
imaterial que se multiplica e se abriga dentro das vidas em qualquer lugar do
planeta. Com certeza, uma nova ordem mundial há de surgir após essa tragédia. A
miséria econômica vai ampliar as dores e desfazer as torres erguidas para
indicar locais prósperos e turísticos.
Talvez nem haja
como ver alturas, pois as criaturas sobreviventes estarão encurvadas sob o peso
de suas dores e desalentos. As sobras do que restar desse vendaval serão o novo
mundo quando o novo corona envelhecer. E aí, talvez se consiga escrever uma
crônica mais alentadora e alguém ainda disponha de forças para ler.
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