TEIMOSIA
Francisco Galindo
O que é que faz um
teimoso? Essa é uma explicação que nos fazendo falta abre passagem para teorias
diversas. O peste do teimoso e a peste da teimosia são bem possivelmente
responsáveis pela derrocada do paraíso. Adão convencido de que devia comer nada
e ninguém e Eva obstinada a provar uma maçã que havia de ser nada e acabou
dando no que deu.
Na semana que passou, e estamos
falando de junho deste estragado ano de
pandemia, a Nature, prestigiada revista científica inglesa, publicou
resultado de um estudo de pesquisadores da University College London
esclarecendo que a famigerada teimosia é
fabricada em processos neurais. O
sujeito uma vez formulando seu ponto de vista, dele convencido, encalacra numa
solução química e aí dispersa até o que os neurologistas chamam de viés de
confirmação, que seria uma chance de contraprova, a chance de mudar e melhorar
a opinião. Quem diria que a velha
teimosia fosse mapeada num scanner de magnetoencefalografia?
Não
está desautorizado o influxo da ideologia e dos afetos em nossas certezas
dominantes. Mas fica cientificamente provocada a ideia de que ideologias e
afetos entram antes. E que há uma volatilidade relativa das opiniões até que
seu cotejamento se esgote, que a gente suspenda a absorção de novas abordagens
e adote uma escolha. Em determinado ponto de confiança, o cérebro resolve
fechar convicção e aí aciona um cimento químico que em boa medida sentencia:
até aqui eu achei assim, aqui eu fico com o que acho.
Os
neurocientistas esclarecem que esse processo individual favorece a teimosia em
conjunto. A ideia de sobrevivência e aproximação de pessoas que pensam
semelhantemente. Isso possivelmente explique o congregar nas igrejas, a sedução
pelo mesmo time de futebol, o gosto pelo igual agrupamento político e seus
determinados gurus, que se não
necessariamente teimosos, muitas vezes o são e provocam avarias. Teimosia
sugere impermeabilização, uma recusa ao novo, uma resistência ao diferente.
Assim, as teimosias costumam ser arriscadas, podem por exemplo arregimentar
conjuntos terroristas, gabinetes de ódio, coletivos rígidos.
Sustenta-se
que a infância é tempo fértil da teimosia. Uma birra associada a autoafirmação
que pede lá os cuidados suficientes para restaurar os eixos. Problema é quando
avança para o transtorno de oposição desafiante e perturba o adulto em suas
relações. Com a ciência agora oferecendo luz sobre implicações neurológicas, a
gente ganha algum instrumento para compreender porque tantas vezes a teimosia é
pesadamente absurda. Como é que o sujeito finca o pé no convencimento de que a
terra é plana, contra as evidências dos registros arredondados da nossa casa
azul? Por que contra todas as arras há quem negue o aquecimento do planeta,
ainda que derretam geleiras, que a seca estrague no sul, que os ciclones
assustem lugares onde jamais passaram?
De
alguma forma, o estudo ajuda a explicar os teimosos da política, os fanáticos
de algumas religiões, os torcedores mais exaltados e ajuda a entender o
rapazinho que escreveu na traseira do caminhão: “não carrego rapariga, nem polícia”.
O guarda o parou e deixou bem claro que aquilo era desacato. Que tirasse a
frase, sob pena de numa próxima passagem ser multado. O rapazinho passou segunda vez com a frase do mesmo jeito. O
guarda irritado:
-
Não te avisei, safado? Pague noventa reais pelo desaforo.
O
rapazinho passou terceira vez tal qual. E o guarda:
-
Ah, infeliz! Pague cento e oitenta pelo atrevimento.
Aí
o rapazinho passou quarta vez com um recado na traseira:
-
Apaguei, mas não carrego...
FRANCISCO GALINDO
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