Por Hamilton Octavio de Souza
Mais uma vez a revista Veja, com suas fontes cada vez mais
metidas na arapongagem e no crime organizado, escracha Lula sobre uma reunião
secreta com Gilmar Mendes a partir da versão unilateral do próprio Gilmar
Mendes. Exemplo de mau jornalismo, construído não para esclarecer determinado
fato, mas para induzir os leitores e provocar reações políticas nas
instituições – seja para desgastar o ex-presidente ou conturbar o ambiente já
tenso pela CPMI do Cachoeira, no Congresso Nacional ou o suposto julgamento do
“mensalão”, no Supremo Tribunal Federal.
"Salvo o aparecimento de novos dados sobre o que
realmente aconteceu nessa reunião, cabe à imprensa sim levantar questões e
tentar compreender a real importância desse encontro"
Os três personagens já se manifestaram: Gilmar para
reafirmar versão da Veja, com a qual mantém estreita ligação desde antes da
farsa nas escutas do STF; Jobim para dizer que não ouviu Lula dizer o que
Gilmar bateu nos dentes para a Veja; e Lula para negar a versão e a
inconfidência de Gilmar sobre o referido encontro.
Pelo que foi dito na boca dos personagens: Lula marcou
visita a Jobim, no escritório deste, e pediu que se convidasse o Gilmar, a quem
queria manifestar agradecimento pelo apoio dado durante o seu governo (o
governo dele, Lula). Jobim e Gilmar confirmam que a conversa foi marcada, sem
mais detalhes.
De qualquer forma o fato é verdadeiro, a conversa aconteceu,
foi no dia 26 de abril, no escritório de Nelson Jobim, em Brasília. A partir
daí o que foi conversado fica pela versão de cada um: Gilmar afirma que Lula
pediu adiamento do julgamento do “mensalão” em troca de blindagem da relação
dele (Gilmar) com o senador Demóstenes Torres, na CPMI do Cachoeira; Jobim não
confirma que o presidente tenha mantido conversa com esse teor; e Lula desmente
que tenha feito tais propostas e/ou insinuações.
Assim, salvo o aparecimento de novos dados sobre o que
realmente aconteceu nessa reunião, cabe à imprensa sim levantar questões e
tentar compreender a real importância desse encontro – Lula, Gilmar e Jobim –
no quadro dos embates políticos do momento.
Só Agradecer?
Uma indagação básica diz respeito ao ato deflagrador do
episódio, a iniciativa de Lula em querer conversar com Gilmar Mendes. Se era
mesmo apenas para agradecer ao ministro do STF, poderia ter feito isso de
maneira aberta, transparente, no horário do expediente, pela porta da frente do
STF, diante de muitas testemunhas e com a cobertura da imprensa. Mas, se pediu
a Jobim agendar um encontro reservado com Gilmar Mendes (tão reservado que
ficou guardado a sete chaves por quase um mês) é porque Lula tinha algo sério e
relevante a tratar com o ministro do STF e não queria que o encontro fosse tornado
público. É o mínimo que se pode deduzir de um encontro reservado.
De outro lado, o ex-ministro da Defesa Nelson Jobim, se é
que testemunhou toda a conversa mesmo, ficou numa posição extremamente
constrangedora, não apenas por fornecer o escritório para Lula e Gilmar, mas
por ficar entre a lealdade a Lula (de quem foi ministro) e ser testemunha de
eventuais crimes de assédio e chantagem. Jobim, que é especialista em
camuflagem desde o tempo em que alterou em surdina o texto final da
Constituição de 1988, só pode mesmo – agora – romper com o amigo e parceiro
Gilmar Mendes, pois, caso contrário teria de fazer aquilo que nem mesmo o
Carlinhos Cachoeira fez diante da CPMI, a autoacusação.
Cachoeira x Mensalão
Gilmar Mendes, evidentemente, assim como a Veja e toda a
imprensa empresarial conservadora, tem o maior interesse em acelerar o
"Gilmar Mendes, assim como a Veja e toda a imprensa
empresarial conservadora, tem o maior interesse em acelerar o processo de
julgamento do “mensalão”, no qual os principais acusados são do PT,
especialmente para desviar o foco da CPMI do Cachoeira, que pega a turma do DEM
e do PSDB"
processo de julgamento do “mensalão”, no qual os principais
acusados são do PT, especialmente para desviar o foco da CPMI do Cachoeira, que
pega a turma do DEM e do PSDB logo de cara, e da Comissão da Verdade, que
poderia expor publicamente – se tiver vontade e respaldo político – o
envolvimento de militares, empresários e políticos de direita com os crimes de
lesa-humanidade (sequestros, torturas, assassinatos e ocultação de cadáveres)
praticados durante a ditadura (1964-1985).
O encontro dos três em Brasília – revelado porque um deles
rompeu o pacto – apenas antecipa o que boa parte do povo brasileiro já sabe o
que vai acontecer, já percebeu pelo andar da carruagem e pelo histórico dos
grupos que atuam nas instituições da República, que tudo tende a terminar em
pizza. Numa boa pizza que não é para o beiço da maioria dos brasileiros.
Hamilton Octavio de Souza é jornalista
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