quinta-feira, 28 de agosto de 2008

A Obra de Fernando Pessoa

Por Edezilton Martins
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Não há dúvida de que muito do entendimento que temos é equivocado. Logo se faz necessário abalar o modo de pensar. Deus criou a verdade inatingível e a Igreja inventou uma verdade. Constato que as noções de céu, inferno e pecado perdem substancialidade.
Quando mais me aprofundo no entendimento mais constato que precisamos ver as coisas ao contrário. Somos vítimas das idéias fixas, das crenças inquestionáveis e do saber pronto.
Há na literatura exemplos extraordinários de homens que abalaram a forma de pensar de sua época, e cuja obra é eterna, porém ainda não devidamente conhecida. Entre eles destaco Nietzsche e Fernando Pessoa. Sobre Nietzsche já escrevi neste blog. Escrevo agora sobre Fernando Pessoa.
Nietzsche se definiu como um homem póstumo. "Minha obra somente será entendida pelos homens do futuro", disse. Fernando Pessoa se definiu como um caráter diferente.
A mente de Fernando Pessoa foi algo extraordinário. Havia em Pessoa um descontentamento com o humano. Descontentamento decorrente da sua percepção, baseada na sua experiência própria, do que transcende o humano, conhecimento num só entendimento da absoluta possibilidade/capacidade humana em contraste com as limitações inerentes a sua natureza. Pessoa se desvencilhando de toda forma de idéias fixas, crenças e saber pronto, sem negá-los insipientemente, deixou sua mente aberta ao novo, sua capacidade de aprendizado disponível. O que limita o entendimento são as premissas. Os dogmas religiosos constituem as premissas mais determinantes.
Corajoso ao extremo foi Pessoa. Não se limitou a ser ele mesmo, precisou ser tudo, de todos os modos ao mesmo tempo (ver a poesia “Passagem das Horas” do heterônimo Álvaro de Campos). Pessoa não sentiu tudo, porque isto seria impossível, mas ousou ser muito grande. E foi... Foi grande no uso da imaginação: utilizou-se da imaginação para multiplicar as suas experiências, porque não se contentava com pouco.

Algumas passagens de Pessoa ele mesmo: “A vida é breve, a alma é vasta” / “Ser descontente é ser homem” / “Valeu a pena? Tudo vale a pena se a alma não é pequena” / “Quem quer passar além do bojador, tem que passar além da dor”.

Algumas passagens do heterônimo Alberto Caeiro: “Há metafísica bastante em não pensar em nada” / “pensar em Deus é desobedecer a Deus” / “É preciso não ter filosofia nenhuma. Com filosofia não há árvores; há idéias apenas” / “sentir é estar distraído” / “o que penso eu das coisas? Sei lá o que penso eu das coisas?... Se eu adoecesse pensaria nisto”.

Algumas passagens do heterônimo Ricardo Reis: “Sábio é o que se contenta com o espetáculo do mundo, e ao beber nem recorda que já bebeu na vida. Para quem tudo é novo e inacessível sempre” / “Para ser grande, sê inteiro: nada teu exagera ou exclui. Sê todo em cada coisa. Põe quanto és no mínimo que fazes. Assim a lua toda brilha, porque alta vive”.

Algumas passagens do heterônimo Álvaro de Campos: “excesso de carícias ao corpo numa só carícia à alma” / “sentir tudo de todas as maneiras, viver tudo de todos os lados, ser a mesma coisa de todos os modos possíveis ao mesmo tempo, realizar em si toda a humanidade de todos os momentos, num só momento difuso, profuso, completo e longínquo” / “não sou nada. Nunca serei nada. Não posso querer ser nada. À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo”.

Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos são os três heterônimos mais conhecidos de Fernando Pessoa (heterônimo: pessoa não real inventada por Pessoa como tendo vida real para o público). Cada um dos heterônimos pensa de modo distinto; discordam entre si, mas também se completam. A heteronímia foi a forma que Pessoa encontrou de pensar tudo na literatura e na vida pessoal.

A obra de Pessoa é uma daquelas leituras imprescindíveis. Quem quiser se iniciar na leitura deve ler “O Eu Profundo e os Outros Eus”, editora Nova Fronteira, livro do qual foram tiradas as passagens inseridas neste texto.

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