segunda-feira, 15 de junho de 2020

A cronica da Segunda Feira


I CONCURSO LÍTERO-POÉTICO DO CAFÉ FILOSÓFICO PÃO DE AÇÚCAR – AL

2º LUGAR – CATEGORIA: CRÔNICA Carlos Alberto de Assis Cavalcanti – Arcoverde - PE

  

                           TEMPOS SOMBRIOS
    

                     Paira no ar um silêncio sepulcral. Não há como escrever uma crônica nos dias atuais de confinamento e apreensão. As ideias se diluem em meio ao clima de desconfiança que cerceia a capacidade de criar algum texto de entretenimento ou leve digressão sobre a vida ou algum acontecimento cotidiano. 
                   A folha, enroscada na velha máquina, continua em branco como se adivinhasse que, cá nos meus pensamentos, também deu um branco. 
                   Ouço Beethoven dedilhando Sonata ao Luar no vinil que gira cadenciadamente na vitrola. Talvez um conforto para a alma acuada dentro desse corpo alquebrado pelo tempo intransigente que cobra cada minuto da nossa existência com a ferocidade de uma ave de rapina. 
               O que fazer, então, se o toque de recolher esvazia as ruas do seu movimento habitual, quando as pessoas correm e gritam e esbarram noutras nesse trajeto diuturno pela sobrevivência.                           Agora, até parece que os cemitérios estão mais barulhentos do que as avenidas e praças. A humanidade virou refém do vírus. Sua ausência física se materializa nos corpos que ele habita e rói sem pedir licença. Subtrai a porção mais divina da existência: o ar soprado com que o resto funciona.                Sem o “fôlego da vida”, nada mais presta para coisa alguma. Pouco adianta o corpo escultural e as joias nele exibidas ou mesmo, como ocorre a tantos, os ossos exibidos.
                  O mundo foi nivelado por uma ordem de uma criatura imaterial que se multiplica e se abriga dentro das vidas em qualquer lugar do planeta. Com certeza, uma nova ordem mundial há de surgir após essa tragédia. A miséria econômica vai ampliar as dores e desfazer as torres erguidas para indicar locais prósperos e turísticos.
                    Talvez nem haja como ver alturas, pois as criaturas sobreviventes estarão encurvadas sob o peso de suas dores e desalentos. As sobras do que restar desse vendaval serão o novo mundo quando o novo corona envelhecer. E aí, talvez se consiga escrever uma crônica mais alentadora e alguém ainda disponha de forças para ler.

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