terça-feira, 23 de junho de 2020

A CRÔNICA CONTINUA....


 

TEIMOSIA



                 
Francisco Galindo

        O que é que faz um teimoso? Essa é uma explicação que nos fazendo falta abre passagem para teorias diversas. O peste do teimoso e a peste da teimosia são bem possivelmente responsáveis pela derrocada do paraíso. Adão convencido de que devia comer nada e ninguém e Eva obstinada a provar uma maçã que havia de ser nada e acabou dando no que deu.
            Na semana que passou, e estamos falando de  junho deste estragado ano de pandemia, a Nature, prestigiada revista científica inglesa, publicou resultado de um estudo de pesquisadores da University College London esclarecendo que a famigerada  teimosia é fabricada em processos neurais.  O sujeito uma vez formulando seu ponto de vista, dele convencido, encalacra numa solução química e aí dispersa até o que os neurologistas chamam de viés de confirmação, que seria uma chance de contraprova, a chance de mudar e melhorar a opinião.  Quem diria que a velha teimosia fosse mapeada num scanner de magnetoencefalografia?
Não está desautorizado o influxo da ideologia e dos afetos em nossas certezas dominantes. Mas fica cientificamente provocada a ideia de que ideologias e afetos entram antes. E que há uma volatilidade relativa das opiniões até que seu cotejamento se esgote, que a gente suspenda a absorção de novas abordagens e adote uma escolha. Em determinado ponto de confiança, o cérebro resolve fechar convicção e aí aciona um cimento químico que em boa medida sentencia: até aqui eu achei assim, aqui eu fico com o que acho.
Os neurocientistas esclarecem que esse processo individual favorece a teimosia em conjunto. A ideia de sobrevivência e aproximação de pessoas que pensam semelhantemente. Isso possivelmente explique o congregar nas igrejas, a sedução pelo mesmo time de futebol, o gosto pelo igual agrupamento político e seus determinados gurus,  que se não necessariamente teimosos, muitas vezes o são e provocam avarias. Teimosia sugere impermeabilização, uma recusa ao novo, uma resistência ao diferente. Assim, as teimosias costumam ser arriscadas, podem por exemplo arregimentar conjuntos terroristas, gabinetes de ódio, coletivos rígidos.
Sustenta-se que a infância é tempo fértil da teimosia. Uma birra associada a autoafirmação que pede lá os cuidados suficientes para restaurar os eixos. Problema é quando avança para o transtorno de oposição desafiante e perturba o adulto em suas relações. Com a ciência agora oferecendo luz sobre implicações neurológicas, a gente ganha algum instrumento para compreender porque tantas vezes a teimosia é pesadamente absurda. Como é que o sujeito finca o pé no convencimento de que a terra é plana, contra as evidências dos registros arredondados da nossa casa azul? Por que contra todas as arras há quem negue o aquecimento do planeta, ainda que derretam geleiras, que a seca estrague no sul, que os ciclones assustem lugares onde jamais passaram?
De alguma forma, o estudo ajuda a explicar os teimosos da política, os fanáticos de algumas religiões, os torcedores mais exaltados e ajuda a entender o rapazinho que escreveu na traseira do caminhão: “não carrego rapariga, nem polícia”. O guarda o parou e deixou bem claro que aquilo era desacato. Que tirasse a frase, sob pena de numa próxima passagem ser multado. O rapazinho passou  segunda vez com a frase do mesmo jeito. O guarda irritado:
- Não te avisei, safado? Pague noventa reais pelo desaforo.
O rapazinho passou terceira vez tal qual. E o guarda:                                                        
- Ah, infeliz! Pague cento e oitenta pelo atrevimento.
Aí o rapazinho passou quarta vez com um recado na traseira:
- Apaguei, mas não carrego...
                                                                                                                                
         FRANCISCO GALINDO

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