quarta-feira, 8 de dezembro de 2010
Olhando a escola às avessas
Normalmente, a escola é entendida como uma instituição inserida na sociedade, responsável pela educação e, conseqüentemente, co-responsável pela formação do cidadão. A importância dessa instituição é algo cristalizado e quase nunca questionamos sua existência e sua finalidade. Falar sobre a importância da escola seria clichê. Opto, nesse momento, por lançar um “olhar às avessas” sobre essa instituição e seu funcionamento. Antes de iniciar, acho pertinente esclarecer alguns fatos. O que vou discutir, a seguir, não expressa em absoluto minha opinião, devendo ser entendido, portanto, apenas como um exercício reflexivo e dialógico de idéias sem censuras nem dogmas sobre um objeto, no caso, a escola. Digo olhar às avessas na intenção de tentar contrapor pensamentos à visão comum que temos dessa importante instituição.
Escola, o que é isto?
O termo “escola” provém do grego “scholé” que, em sentido primitivo, remete à idéia de “lugar do ócio”. Seja entendido aqui o ócio não como desocupação associada à preguiça, mas sim como tempo livre destinado à reflexão, tal como era entendido na Grécia antiga. Em síntese, scholé se referia ao lugar de contemplação de idéias e do exercício do pensar. E hoje em dia, qual o status quo da escola? Primeiramente, é uma instituição. Por ser assim, é uma organização que, obviamente, por meio de normas, regras e estatutos, estabelece controle. Controla o tempo, os indivíduos e o que e como certos indivíduos devem aprender. Continua sendo um lugar de encontro de pessoas, mas não de tempo livre para contemplação de idéias e destinado à reflexão.
Imposição de doutrinas, idéias, condicionamento e, conseqüentemente, aceitação e adaptação são causas e efeitos dos processos desenvolvidos intramuros da escola. O conhecimento não é algo exclusivo do contexto escolar. Nas atividades cotidianas, mobilizamos uma rede de conhecimentos interconectados de natureza dinâmica e complexa. Ao cruzarmos uma rua, mesmo que não tenhamos consciência, uma série de conhecimentos é mobilizada. Caso venha algum veículo, por exemplo, realizamos inferências sobre a distância a ser percorrida para cruzar a rua, a distância e a velocidade do carro. Logo, estimamos o tempo e a velocidade necessária para atravessarmos. Por fim, avaliamos se é possível, ou não, cruzá-la com segurança. Tudo isso acontece instantaneamente e quase que automaticamente.
Considere também, quando um pescador sai para o mar com uma jangada a velas, nem sempre é possível ter em mãos informações meteorológicas. Mesmo assim, observando a direção e intensidade do vento, as nuvens e outras características do cenário, ele consegue avaliar a possibilidade de segurança para lançar-se ao mar. O que permite essa avaliação? A resposta é simples, conhecimentos adquiridos na experiência. Ao lançar-se ao mar, há toda uma problemática que envolve localização, direção, manuseio e deslocamento da vela. Novamente, tudo isso é possível por meio de conhecimentos de naturezas diversas, diga-se de passagem, que são colocados em ação ao mesmo tempo pelo pescador, de maneira natural.
Na escola, os conhecimentos são organizados em pacotes disciplinares resguardando uma relação de ordem estática e linear. Quando falo em ordem estática e linear refiro-me ao fato de ser comum o estudo de um conteúdo por vez, seguindo certa ordem de pré-requisitos. Na tradição da escola, é possível encontrar situações nas quais os alunos são considerados como baldes vazios, tabulas rasas, folhas em branco, caracterizando o conhecimento deles como senso comum e, portanto, impreciso, ingênuo e sem importância no contexto escolar. Dessa maneira, podemos dizer que há um jogo no qual os conhecimentos dos alunos são descartados e estes são submetidos aos conhecimentos escolares que, por sua vez, recebem o status de científicos e são reconhecidos como verdades que devem ser professadas e não questionadas.
Embora o estudante seja, de alguma maneira, um dos principais elementos da escola, paradoxalmente, é-lhe negado a oportunidade de escolher o que deseja aprender, como e quando. Assim, resta-lhe aceitar o que “outros” decidiram ser importante de ser estudado; aceitar a maneira de estudar que lhe é imposta sem ao menos poder opinar a respeito; aceitar os tempos estipulados por “outros” para sua aprendizagem, que é algo particular e subjetivo (cada um tem seu tempo); aceitar que “outros” validem o conhecimento construído por eles, implicando, inevitavelmente, na premissa de que os próprios estudantes não são capazes de elaborar meios para validar aquilo que constroem como conhecimento.
E quanto à sala de aula? Ah, essa é sem dúvida um santuário bem exótico. O conhecimento é algo divino, conhecido apenas pelo sacerdote que se costuma chamar de professor. Esse, por sua vez, tem a missão de professar esse conhecimento aos que ainda não o tem. A crença é que esse conhecimento tem o poder de libertar os alunos das trevas da ignorância. Como estamos falando de crença, não é bom que haja dúvida sobre o poder e a importância do conhecimento professado. Os fiéis devem ser obedientes e prestando muita atenção às verdades professadas pelo sacerdote professor. Os fiéis não devem nem questionar se por uma acaso, nesse santuário, forem propostos problemas do tipo “Dona Rosinha comprou 5 milésimos de tonelada de manteiga a R$ 0,60 cada hectograma. Quanto gastou?”. É importante ressaltar que problemas desse tipo são absurdos, uma vez que, na vida real, apenas um paranóico iria comprar manteiga dessa maneira.
Por que os estudantes nesse santuário, a sala de aula, devem estudar problemas que só tem sentido na cabeça de um paranóico? Por que os estudantes têm que estudar temas que não despertam interesse, apresentam pouca ou nenhuma utilidade para suas vidas e depois da avaliação são esquecidos, ao invés de estudarem temas de seus interesses e que poderiam ser úteis para suas vidas? Por que a autonomia e a criatividade natural dos estudantes não são levadas em consideração, uma vez que para ser estudante, em algumas escolas, basta se limitar a observar e repetir os procedimentos e demonstrações realizadas pelo professor? Por que as carteiras enfileiradas? Por que os muros fazem parte das escolas? Para os alunos não fugirem? O que aconteceria se as escolas não tivessem muros? O que prenderia os alunos na escola? Poderia ser o interesse deles? Como despertar esse interesse de tal forma que não seja necessário a escola parecer uma prisão e a sala de aula uma cela? Por quê, por quê, (...) e por que tantos porquês?
A intenção desse texto é apenas provocar a reflexão. Obviamente, há excessos, mas também ausências; há erros e, talvez, um pouco de acerto; há um pouco de certeza, e muito de incerteza; há, decerto, um pouco de pessimismo, mas também muita esperança no coração e no pensamento de quem escreveu esse texto. Há, portanto, contrários. Contrários sim, pois quando olhamos às avessas já não podemos evitá-los. Acreditar e agir, é a condição sine qua non para construirmos uma escola melhor, que tenha normas, mas que também reconheça a natureza, as particularidades e os interesses de quem dela necessita para constituir-se melhor cidadão.
Concluo, provisoriamente, como iniciei. O que discuti não expressa em absoluto minha opinião, devendo ser entendido, portanto, apenas como um exercício reflexivo e dialógico de idéias sem censuras nem dogmas sobre um objeto, no caso, a escola.
Profº. Dilson Cavalcanti
dilsoncavalcanti@gmail.com
Tupanatinguense
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário